quarta-feira, maio 17, 2006

ASSAULT ON PRECINCT 13


de John Carpenter, 1976 [EUA]
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de Jean-François Richet, 2005 [EUA]
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A edição em simultâneo das duas versões de «Assault on Precinct 13» pela Prisvídeo é uma oportunidade rara para voltar a pensar como se julga o novo cinema norte-americano nesta década de todos os remakes. Numa lógica oportunista em que a prioridade é a facturação assegurada no box-office, voltar a pegar em clássicos de culto não muito distantes prefigura-se como uma opção acertada (se bem que necessariamente preguiçosa). A nova investida levará um sem número de novos espectadores ao cinema, aqueles que nunca viram o original mas já ouviram dizer que esse filme deve ter sido muito "cool" no tempo dos seus pais, os que pura e simplesmente desconhecem o assunto e julgam tratar-se de um objecto original e, finalmente, todos os que têm a obra matriz como referência e acabam por aceitar a revisitação com a curiosidade natural de verificar como se safaram eles desta.
Não há fórmula mágica que valide o sucesso artístico de um remake, mas convém que ele surja com uma nova marca autoral de voz própria (lembremo-nos de «The Fly», de Cronenberg, um filme claramente superior ao que lhe deu origem) ou então que se assuma como objecto derivativo que apenas tenta igualar o seu antepassado em termos de puro impacto imediato, seguindo as regras específicas do "cinema de género", sejam elas as do cinema de terror (que tem sido varrido impiedosamente por toda esta onda), comédia ou acção. Neste último caso, por muito positivo que se revele o resultado final, resta ao projecto resignar-se como peça suplente, sempre dependente da memória do espectador, e que nunca poderá ambicionar algo para lá do entretenimento. O que não é de todo motivo para não lhe procurarmos qualidades.


Ora, é sabido que o «Assault on Precinct 13» de 1976 era já um quase remake de «Rio Bravo» e «El Dorado», dois títulos incontornáveis de Howard Hawks, referência essencial na carreira de Carpenter. Às histórias originais pediu emprestada a receita base do cerco – onde os maus lutam contra os bons e os não tão bons têm que se juntar ao combate por uma questão de sobrevivência – e outros temas recorrentes no western hawksiano como a honra e a lealdade entre espíritos desavindos que acabam por se descobrir semelhantes. O que Carpenter ousou fazer (e o que transformou o seu filme numa das obras maiores do cinema de acção) foi reconfigurar o esquema narrativo, transformando o seu espaço-em-estado-de-sítio num bailado fantasmagórico e minimal, onde as palavras são poucas e as explosões de adrenalina surgem como algo quase palpável. Repare-se também na prodigiosa (e longa) sequência inicial, com uma montagem paralela que vai apresentando as personagens vagarosamente, mas sem qualquer obrigação em aprofundar em demasia aquilo que são, afinal, arquétipos num filme que se quer reverencial e referencial ao mesmo tempo.


É este ponto de vista que falta à versão de 2005, que incorpora já algumas lógicas do blockbuster macho, com muito do que de bom (profissionalismo garantido nas sequências de acção) e mau (lugares comuns no desenho das identidades) lhe conhecemos. É particularmente violento, reservando surpresas para quem já conhece a história, e conta com algumas interpretações de relevo, resultado de um casting recheado de nomes sonantes: Ethan Hawke, Laurence Fishburne, Brian Dennehy, John Leguizamo, Gabriel Byrne. Escorreito e eficaz, não pretende fazer sombra ao original, mas antes provar ser capaz de não lhe manchar a reputação. É esta honestidade que tanto joga a seu favor como acaba por condicionar a sua menoridade. Não existisse um outro assalto feito há quase trinta anos, e tudo podia ter sido diferente.

[Texto editado a partir do original publicado na revista DIF, número 37, Fevereiro de 2006.]

(Nota positiva para as edições da Prisvídeo, infelizmente sem extras no que toca ao filme de Carpenter, o que é compensado pela avalanche de material adicional interessante que acompanha o filme de 2005)